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Cocaína e violência na fronteira, dilemas de MS que desafiam a PEC da Segurança

Publicado em 22/04/2025 15:24

Com atraso de quatro décadas e ao custo de uma sensação de perigo que se tornou a maior preocupação do brasileiro, o tema segurança pública entrou, finalmente, na agenda dos poderes. E Mato Grosso do Sul, com seus 1517 quilômetros de fronteira contínua com Paraguai e Bolívia - uma faixa que serve como entreposto e passagem da cocaína que chega aos mercados internacionais - é um dos grandes desafios do plano que deve emergir da chamada PEC da Segurança.

O tamanho da negligência estatal com o empoderamento e avanço do crime organizado é revelado pelo esforço tardio de promover a integração entre os diferentes órgãos de segurança estaduais e federais, iniciativa imprescindível para o controle da fronteira, mas perdido entre vaidades e inoperância dos entes federados.

A medida fortaleceria o combate ao tráfico de cocaína, maconha e armas, operado por grandes organizações, como o PCC e Comando Vermelho, e alavanca da criminalidade urbana. O Brasil faz fronteira com outros dois produtores de coca, Colômbia e Peru, mas é a região Sul do Estado, entre Dourados e Ponta Porã, cidade irmã de Pedro Juan Caballero, no Paraguai, que mais tem atraído o interesse das organizações criminosas transnacionais. O outro ponto, já no coração do Pantanal, é Corumbá, na fronteira com a Bolívia.

Maior produtor de maconha do mundo (droga que abastece o tráfico interno, basicamente Rio de Janeiro e São Paulo) o Paraguai é visado por traficantes internacionais que se organizam na região da fronteira, como revelado na semana passada no conflito entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o mais alto escalão da Justiça da Espanha na crise da reciprocidade de extradição de criminosos, impasse diplomático latente, que colocou em risco o tratado de cooperação entre os dois países.

O homem que o ministro Alexandre de Moraes se recusou a devolver para aquele país, em represália a decisão da Espanha negando a extradição do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, é o búlgaro Vasil Georgiev Vasilev, acusado de tráfico de cocaína em Barcelona. Ele é casado, tem dois filhos e mora em Ponta Porã, onde chegou em 2023, logo depois de o homem que a polícia espanhola apontou com seu comparsa, Francisco Lopez Domingues, ter sido preso com duas malas com 52 quilos de cocaína, supostamente apanhadas no seu apartamento, em Barcelona.

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O ministro foi além de negar a extradição e libertou Vasil, impondo como medida cautelar apenas tornozeleira eletrônica, decisão controversa em função dos evidentes riscos de fuga. Os indícios apontados pela Interpol revelam o dilema das autoridades de Mato Grosso do Sul, como demonstram estatísticas: em 2024, em mais um recorde, a Polícia Federal apreendeu 74,5 toneladas de cocaína em diferentes pontos do país.

O que mais interessa ao Estado são os números da Polícia Rodoviária Federal, que confiscou 41, 4 toneladas nas duas principais rodovias que passam pelo Estado, as BRs 262 e 158, e na 364, e os esforços dos órgãos estaduais de segurança. Conforme o novo Perfil Estatístico da Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc) o volume apreendido é um terço da produção da PRF em 2024 e quadriplicou nos últimos cinco anos no Estado, saltando de 4, 3 toneladas em 2020 para 17, 6 toneladas no ano passado, dado preocupante quando comparado com a taxa de sucesso dos traficante que, segundo o órgão da ONU acompanha a questão das drogas, perdem apenas 10% do volume comprado nas fontes de produção.

O tráfico em larga escala deixa um rastro de violência nas regiões de passagem, mas se olhar para o que realmente interessa às quadrilhas, trata-se do melhor negócio do mundo. Com o preço da cocaína estimado, por baixo, em US$ 70 mil o quilo no destino, em média, só o volume apreendido em Mato Grosso do Sul equivale a uma montanha de algo em torno de US$ 1,2 bilhão, império financeiro que corrompe órgãos públicos e ameaça democracias, como ocorreu na Colômbia da era Pablo Escobar.

Se as autoridades que estão no topo do judiciário entram em conflito, o que dizer do andar de baixo, onde estão os órgãos de combate ao crime, que raramente se entendem ou compartilham as ações operacionais. Com a prerrogativa de reprimir as quadrilhas e o tráfico internacional, só esporadicamente a Polícia Federal convida para a mesma operação o Departamento de Operações de Fronteira (DOF), tropa de elite da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul.

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Essa falta de entrosamento alimenta o conflito político em torno da PEC da Segurança: governadores de oposição alegam que ela fere a autonomia dos Estados sobre as polícias estaduais e, por isso, se posicionaram contra o projeto ou o enxergam com reservas, como o governador do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel.

Ele acha que se a Constituição define que segurança é uma atribuição dos estados, a PEC não deve alterar a autonomia dos governos sobre suas polícias. E tem apontado o que na sua opinião é uma contradição: “Como vou ser responsável diante de ações que muitas vezes não posso tomar ou decidir?”.

Fogo cruzado - De nada tem adiantado as sucessivas garantias do ministro da Justiça e Segurança, Ricardo Lewandowski. As desconfianças fazem parte da retórica do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), líder dos divergentes e candidato a candidato à presidência em 2026.

Também alimenta o discurso da bancada da bala na Câmara, integrada em sua imensa maioria por policiais civis e militares que fazem cerrada oposição ao governo Lula 3. Desse colegiado tem saído muito barulho e vídeos para “lacração” nas redes sociais pedindo leis mais duras, mas raramente uma proposta de plano nacional de segurança. Eles se aproveitam de uma dubiedade no texto da PEC que dá ao governo federal “o poder de criar diretrizes obrigatórias para os estados”.

Especialistas defendem, em sentido contrário à oposição, que esse ponto seja mais explícito e fortaleça o presidente da República, dando a ele - como já consta na Constituição e é ponto crucial do sistema federativo - maior poder de intervenção nas polícias estaduais para adequar as políticas de segurança à redução de excessos em operações armadas que se baseiam simplesmente no confronto pelo confronto ou - o que é o grande temor de polícias como do Rio de Janeiro e São Paulo - no combate a corrupção policial e desvios que tem colocados agentes públicos a serviço do crime.

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Na avaliação de especialistas, a corrupção, alta letalidade nas ações e promiscuidade andam pela mesma trilha e representam obstáculo na implementação de um plano nacional de segurança pública.

O pesquisador Rafael Alcadipani, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e professor da FGV, disse ao que a PEC está num fogo cruzado entre direita a esquerda: a insegurança dá voto para a direita e passou a refletir negativamente sobre os eleitores do PT, o que, na sua avaliação, levou o partido e o governo a reagirem.

“A questão é sobre quem vai dar o discurso para quem. A direita não tem o menor interesse em construir uma política de segurança pública que vai ficar, no final das contas, na mão da esquerda. Duvido que o Caiado, Riedel, o Paulo Bilinskiy (deputado paulista do PL e presidente da Comissão de Segurança da Câmara) vão construir alguma coisa positiva em relação à segurança pública até a data a eleição do ano que vem”, diz Alcadipani.

Ele acha que essa PEC tem uma tendência muito forte de se tornar um projeto natimorto, apesar da segurança ser uma urgência e necessária para o país. "A questão política deve, sem dúvida alguma, dar uma esfriada nela e provavelmente não vai deixar que ela passe”. O pesquisador afirma que o grande problema é a falta de “senso de estado” para se elaborar uma solução consensual entre os políticos e que atenda o clamor popular por medidas contra o avanço do crime.

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O pesquisador do FBSP ressalva que a PEC não vai resolver todos os problemas, mas é um começo. Na sua avaliação, ela propõe a organização mínima para uma integração entre as forças de segurança, mas não vai no detalhe, como as ações de controle de fronteira, que serão reguladas por normas infraconstitucionais. “No mundo ideal, o ideal é que a gente consiga fazer com que essas forças se articulem”.

O problema vai, no entanto, além da falta de integração. São frequentes as queixas de que uma instituição invade a atribuição da outra, como vinha fazendo a PRF, que cuida de estradas, mas enveredou por ações de polícia judiciária, e a PM de Mato Grosso do Sul ao atuar em conflitos indígenas que, em boa parte, são tarefas da Polícia Federal. “As polícias militares deveriam ter um papel importante nos conflitos envolvendo indígenas, dando apoio à Polícia Federal porque se trata muito mais de uma questão das forças federais do que as forças estaduais”, diz Alcadipani.

Bancada - Ecoando posição dominante no Congresso diante do futuro incerto da PEC, o senador Nelsinho Trad (PSD) disse que é necessário aguardar o trâmite para se posicionar. Antes, pretende conversar com as autoridades de segurança do Estado para se informar das demandas.

O deputado Geraldo Resende (PSDB) acha que é necessário ampliar o debate para incluir no Susp uma forma mais incisiva de enfrentamento à violência contra a mulher, com foco na onda de feminicídios no Mato Grosso do Sul, que saltou de 30 ocorrências em 2023, para 35 no ano passado. “Isso precisa mudar. A segurança pública não pode ser plenamente eficaz se não enfrentarmos, com coragem e prioridade, o feminicídio e todas as formas de violência de gênero. O Estado brasileiro tem a obrigação de avançar na construção de políticas públicas que garantam a proteção, a dignidade e a vida das mulheres em todo o território nacional”, afirma.

Resende diz que apresentará emendas que incluam na Constituição combate ao contrabando, às organizações criminosas e às atividades ilícitas “que ocorrem com intensidade na fronteira” e, frisa, afeta fortemente toda a população de Mato Grosso do Sul.

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